Quando uma das maiores empresas privadas de educação faliu, alguns meses atrás, deixou 11 mil alunos a ver navios e fez com que o governo da Suécia repensasse a reforma neoliberal da educação, feita nos moldes da privataria com o Estado financiando a entrega dos serviços públicos aos oligopólios capitalistas e assim causando graves prejuizos para os trabalhadores e a população.
Fonte: Rede Democrática
No país de crescimento mais acelerado da desigualdade econômica entre todos os membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os aspectos básicos do mercado escolar desregulamentado estão agora sendo reconsiderados, levantando interrogações sobre o envolvimento do setor privado em outras áreas, como a de saúde.
Duas décadas após o início de seu experimento de “livre” mercado na educação, cerca de 25% dos alunos do ensino médio da Suécia frequentam agora escolas financiadas com recursos públicos, mas administradas pela iniciativa privada. Essa proporção é quase o dobro da média mundial. Quase metade desses alunos estudam em escolas parcial ou totalmente controladas por empresas de “private equity”, que compram participações em outras empresas.
Na expectativa das eleições do ano que vem, políticos de todos os matizes estão questionando o papel dessas empresas, acusadas de privilegiar o lucro em detrimento da educação, com práticas como deixar alunos decidirem quando aprenderam o suficiente para passar e não manter registro de notas.
O oposicionista Partido Verde – que, a exemplo dos moderados, apoia há muito as escolas de gestão privada, mas que agora defende um recuo – divulgou um pedido público de desculpas num jornal sueco no mês passado sob o título “Perdoe-nos, nossa política desencaminhou nossas escolas”.
No início da década de 1990, os pais recebiam vales do Estado para pagar a escola de sua preferência. A existência de escolas privadas foi autorizada pela primeira vez, e elas podiam até ter fim lucrativo.
O Reino Unido absorveu muitos aspectos desse sistema, embora não tenha chegado a permitir que escolas custeadas com dinheiro público visassem lucro. Empresas de educação suecas alcançaram países tão distantes como a Índia.
A falência, neste ano, da JB Education, controlada pela empresa dinamarquesa de “private equity” Axcel, foi o maior, mas não o único, caso do setor educacional sueco.
O fechamento da JB custou o emprego de quase mil pessoas e deixou mais de 1 bilhão de coroas suecas (US$ 150 milhões) em dívidas. Os alunos de suas escolas ficaram abandonados.
Uma em cada quatro escolas de ensino médio é deficitária e, desde 2008, o risco de insolvência subiu 188% e é 25% superior à média das empresas suecas, disse a consultoria UC. “São poucos os setores que exibem cifras tão ruins como essas”, disse a UC. Parte do problema resulta da distribuição etária da população, com os números totais das escolas secundárias sofrendo queda significativa desde 2008 e pouca probabilidade de voltar ao antigo nível por uma geração ou mais.
A permissividade do ambiente regulatório também contribuiu. A Suécia substituiu um dos sistemas escolares mais rigidamente regulamentados do mundo por um dos mais desregulamentados, o que levou a escândalos como um caso de 2011 em que um pedófilo condenado pôde abrir várias escolas de forma absolutamente legal.
“Eu disse muitas vezes que é mais fácil abrir uma escola do que uma barraca de cachorro-quente”, disse Eva-Lis Siren, diretora do sindicato de professores Lärarförbundet, o maior da Suécia.
As escolas privadas introduziram muitas práticas antes exclusivas do mundo corporativo, como bônus por desempenho para funcionários e divulgação de anúncios no sistema de metrô de Estocolmo. Ao mesmo tempo, a concorrência pôs os professores sob pressão para dar notas mais altas e fazer marketing de suas escolas.
No início, disseram que a participação privada na educação se daria por meio de escolas geridas individualmente e em nível local. Poucos vislumbraram que haveria empresas de “private equity” e grandes corporações administrando centenas de unidades. “Era uma coisa que não estava sequer nos sonhos mais delirantes das pessoas”, tenta se justificar Staffan Lundh, responsável por questões escolares no governo do primeiro-ministro na época e que hoje dirige a Skolverket, a agência sueca de escolas.
É tão obvio que envolvimento do setor privado e a queda da qualidade estão diretamente ligados que a Skolverket já começa a “vê indícios” de que as reformas de mercado contribuíram para aprofundar o fosso do desempenho escolar.
O referencial Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, nas iniciais em inglês) da OCDE pinta um quadro sombrio, em que a Suécia ocupa atualmente classificação inferior à da Rússia em matemática.
Vinte e cinco por cento dos garotos de 15 anos não conseguem entender um texto factual básico, disse Anna Ekstrom, diretora da Skolverket. Um estudo da agência divulgado no ano passado mostrou um diferencial crescente entre estudantes, em que um número cada vez maior deles não preenche os requisitos necessários para ingressar no ensino médio.
Uma pesquisa da GP/Sifo realizada neste ano com mil pessoas mostrou que 58% são amplamente favoráveis a proibir a geração de lucro em áreas financiadas com dinheiro público, como a educação.
O ministro da Educação, Jan Bjorklund, de centro-direita, dirigente do segundo maior partido da coalizão de governo, formada por quatro partidos, disse que empresas de “private equity” também deveriam ser vetadas como controladoras de empresas do setor de assistência médica, inclusive de assistência aos idosos.
“Acho que acreditamos cegamente demais na possibilidade de mais escolas privadas garantirem maior qualidade da educação”, disse Tomas Tobé, diretor da comissão de educação do Parlamento e porta-voz de educação do governista Partido Moderado. Como são “ingênuos” os neoliberais…
O fechamento de escolas e a piora dos resultados tiraram o brilho de um modelo de educação admirado e imitado em todo o mundo pelos mesmos privatistas e neoliberais que propagandeiam o mercado capitalista como uma espécie de solução milagrosa para todos problemas da sociedade, quando na verdade é o capitalismo quem gera todos os problemas e desigualdades sociais ao concentrar toda a riqueza, poder e oportunidades nas mãos de uma classe dominante privilegiada, as custas da miséria, exploração e exclusão de grande parte da humanidade e do empobrecimento crescente dos povos.
[Com informações das agências de notícias]