Guilherme Perez Cabral, advogado especialista em direito educacional, doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito, discute a tendência à terceirização de serviços relacionados à educação no Brasil, avaliando por que ela é algo que interessa às empresas – e não à educação
Fuente: UOL | Por: Guilherme Perez Cabral
É irresponsável falar em terceirização, no âmbito do nosso tema, a educação. Eu explico.
Falar em favor da terceirização é assumir uma posição em defesa do lucro. Sem ressentimentos, por favor. A conclusão não indica, ainda, qualquer juízo de valor quanto à (in)justiça da posição assumida. Por isso, defendê-la, na esfera da educação, é, em última análise, defender o empreendimento lucrativo nesse campo.
A terceirização tem a ver com a transferência de responsabilidades, obrigações e riscos trabalhistas, inerentes a qualquer atividade empresarial, para um terceiro. Daí o nome. O empresário sai da relação de emprego. Não emprega mais. Contrata e fiscaliza um terceirizado que presta o trabalho, pessoalmente, por seus sócios, por “quarteirizados”. Eventualmente (há sarcasmo no uso do advérbio) por seus empregados, a espécie em extinção. Atualmente, está limitada, conforme entendimento da Justiça do Trabalho, a “atividades-meio” da empresa (segurança, limpeza, etc.). De acordo com o Projeto de Lei aprovado pela Câmara dos Deputados, em abril, e submetido, agora, à análise do Senado, será estendida a qualquer atividade da empresa, qualquer uma mesmo, até sua atividade-fim – no caso das escolas, o ensino. Convido todos à leitura do texto debatido, refletindo sobre os motivos e interesses por trás de seus artigos, nas entrelinhas. Isso é fundamental para que possamos defendê-lo ou atacá-lo.
Para o bem do lucro, a terceirização nos “negócios” da educação, interessa à empresa. Não à educação. Isso é muito grave. Digo isso sob o ponto de vista do próprio direito vigente. Afinal, o objetivo da escola é educar, de acordo com os fins previstos na Constituição (desenvolvimento pleno da pessoa, qualificação para o trabalho e preparo para a cidadania). Não deveria ser, portanto, o lucro. Ocorre que uma empresa, por definição, tem fim lucrativo. E, se o fim é o lucro, não é a educação (nem seus objetivos constitucionais), deturpada em meio do empreendimento lucrativo. Arrisco dizer que a empresa educacional é, nesse sentido, inconstitucional.
É verdade, a experiência demonstra que há empresas que prestam ensino de qualidade, segundo os padrões estabelecidos pelo Poder Público. Mas, em última análise, o ensino e a sua qualidade, aqui, são um meio para ganhar dinheiro. Existem enquanto prevalecer o lucro do empresário. Isso é muito deseducativo.
É verdade, também, a “terceirização” já chegou à educação. Faz tempo. O Poder Público, se não pode “terceirizar” o ensino básico (obrigatório) ao setor privado, delegou para ele o que temos, para hoje, em termos de qualidade. Sem entrar no mérito da qualidade do serviço prestado, as instituições privadas mantêm, ainda, em torno de 70% das matrículas no ensino superior.
Trazer, porém, a terceirização discutida no Congresso Nacional para o trabalho na escola é o último degrau da degradação do que poderia ter sido a educação. É a selvageria do capital.
Significa a possibilidade de terceirizar a docência. A escola não precisa mais de seus professores. Não emprega mais. Chega de corpo docente. Chega de comunidade escolar. Contratemos empresas prestadoras de serviços terceirizados de aulas de física, de química, de história. É mais viável economicamente. Mais lucrativo.
O Poder Público terceiriza a educação ao setor privado. A escola privada terceiriza a tarefa de ensinar. Chegamos à distorção da terceirização da educação pela própria escola. Na terceirização de responsabilidades, livram-se todos do fardo. Fica dúvida se sobrará alguém responsável.